sexta-feira, 27 de julho de 2012

Meu querido

Hoje o vento sopra forte e o mar está bravio. Chove. O dia é feio e triste. Estou lendo um belo livro que se intitula "Cartas a Nelson Algren “Um Amor Transatlântico," a correspondência de Simone de Beauvoir ao seu "amante/marido/amor transatlântico" como assim ela o definia. Uma longa e bela história de amor, vivida entre 1947 até 1964, com encontros anuais de pouco tempo, mesmo que freqüentes.(Apenas uma vez chegaram a passar juntos cinco meses). Desculpe a modéstia, mas percorrendo as páginas do livro, me reencontro muitas vezes, pois estou certa de que a linguagem do amor é a mesma, apenas se repete em idiomas diferentes. Questiono? Como pode Simone, mulher intelectual, cética¸ prática e amoral ter tão grande potencial de amor? Então caro amigo, o amor invade qualquer praça, mesmo que as defesas sejam muitas. Foi também, para mim, uma descoberta de muitas coisas que eu ignorava a respeito da vida intelectual e política francesa daquela época. Um livro rico, pois as cartas são em forma de diário, um relato do dia a dia de Simone, Sartre e amigos. Ela queria que o seu amigo estivesse a par de tudo o que lhe acontecia, das alegrias e tristezas. Também escreve da sua paixão pela cidade de Paris, fala dos seus parques floridos na primavera, da aridez do verão, quando fugia sempre para uma região onde o mar estivesse presente e da crueldade do inverno, das brumas, do frio, dos cafés, das noites alegres e de outras solitárias, quando ela então chorava a falta do seu amor, do calor de um corpo, etc. Uma das coisas mais belas entre tantas que Simone escreve para Algren, é quando ele reclama que está cansado dos seus abraços frios, pois tem no meio um oceano e ela lhe responde: "Não se preocupe, breve eu estarei por inteira com você e então os abraços serão quentes como um vulcão". E assim, vou me encontrando em tantas coisas que a gente diz quando quer bem, está longe, sente falta e saudades. Com a minha total liberdade para contigo posso dizer: estou me reencontrando no tempo passado, nas muitas e muitas cartas que escrevi, quando falava de ternura, amor e sentimentos. Não quero ser pretensiosa, mas a linguagem dos amantes é realmente universal, e estou muito feliz de saber que uma mulher brilhante e intelectual como Simone, pode ser tola e amorosa, quando fala de saudade e da falta que sente do amado. E assim, vou relembrando com mais cor os grandes e bons momentos da nossa amizade. Quando a gente envelhece, o corpo e o espírito ficam mais carentes, de contatos, toques, palavras e afetos. De tudo isso sinto muita falta. Não sei no teu caso, mas para mim está sendo muito difícil, pois apesar dos filhos, eles estão voltados para si mesmo e suas vidas, o que é natural. O mundo, no caso o meu, torna-se limitado. Gostaria muito de ter um amigo para conversar, ri um pouco da vida e das coisas. A amizade é muito importante e na medida em que o tempo passa, ela vai se tornando essencial para o aquecimento dos corações. Abraço-te carinhosamente, com saudades. Praia de Boa Viagem. Ina Melo.

Meu querido

Escrevo-te de um tempo passado, onde tudo está partido em mim, aos pedaços. Os fragmentos voaram de um lado para o outro e falta-me coragem para recolhê-los. Assim, vejo hoje a minha vida se diluindo. Desejos e sonhos se afastando. Será isto a velhice, estação certa a que todos chegaremos um dia? Sei que ainda insisto em me agarrar a um pouco de tudo o que tive. Mantenho uma brava luta para estar na minha casa, num lugar privilegiado que Deus me ofereceu. Daqui, de onde escrevo, vejo o mar que poderei alcançar quando quiser – ele está ali a poucos metros. Conheço todas as suas nuances, vejo-o sempre com o olhar de uma mulher apaixonada, mas temerosa. Por quê? Antes, corria para ele, enfrentava-o, lutava mesmo. Gostava quando medíamos forças. Claro, o vencedor era sempre o mais forte, então me deixava levar nos seus braços à deriva, sem me importar com o tempo. Hoje, resisto e me acovardo. Sinto-me insegura, ainda assim me entrego com volúpia às águas mornas que acariciam o meu corpo Ah! Tempo feliz. Recife, Maio/05